sexta-feira, 11 de junho de 2010

{rotinas ou a sucessão dos dias...}

todos os dias, de manhã, acordo: arranjo-me, tomo o pequeno-almoço e vou trabalhar. ao fim do dia, de volta a casa, trato de tudo que tenho a tratar, janto e deito-me. é assim, a minha rotina.

[e é assim a rotina de quase todas as pessoas que eu conheço]

até há pouco tempo, nem me dava conta da passagem das horas, dos dias. segunda-feira... domingo; 6 da manhã, meia-noite...

e também não me apercebia do mundo vivo que me rodeava. se chovia ou fazia sol. se estava frio, amaldiçoava o tempo e vestia um casaco. se estava calor, as sandálias... mas pouco mais.

acordar. trabalhar. comer. e dormir [ou, pelo menos, tentar]. sempre a correr: o relógio não dá tréguas. sem tempo para parar, para respirar...

[para viver]

estas duas semanas não foram fáceis para mim, confesso. voltei a sentir-me perdida... logo agora, que eu me entendia estar no caminho certo.

[mas... nada é certo. nada é garantido...]

as pessoas que eu conheci, nestes últimos dias, mostraram-me muito. umas com palavras, outras com gestos, olhares [ou a ausência deles]. para a maioria destas mulheres e destes homens, o hoje foi igual ao ontem e repetir-se-á amanhã. tal qual uma rotina.

uma rotina sem sol, sem nuvens. sem flores. sem pássaros. sem a brisa do mar ou os beijos suaves das ondas calmas da praia de cascais. sem o aroma da relva acabada de cortar ou o cheiro da terra molhada após uma noite de chuva. não há amanhecer ou pôr-do-sol. ou pastéis de nata. e, se uma criança lhes sorrir, eles jamais compreenderão esse sorriso. porque não o vêem, não o sentem.

estas mulheres e estes homens não estão cá. só o corpo. o olhar vazio revela que a alma já se foi há muito. para onde... ninguém sabe.

as horas passam. dia após dia. noite após noite. tudo igual. tudo na mesma. as mesmas paredes, os mesmos corredores. a mesma comida sem sabor [porque também o paladar se apagou].

[ontem, fui visitar o meu pai. foi uma surpresa: eu adoro fazer-lhe surpresas... ele está bem. muito bem, até. felizmente. penso que irá voltar em breve. e ainda bem porque estamos todos ansiosos por isso...]

ontem, cheguei à porta do pavilhão 29. espreitei. lá estava o rapaz da cor do chocolate, parado em frente à porta, de olhar perdido numa dimensão que eu desconheço. a senhora do caminho errante, mantinha-se firme no seu itinerário habitual... e a menina do gorro pediu colo. apesar dos seus dezoito anos, é tão frágil como uma bebé. precisa do toque como de ar, para [sobre]viver.

[dois mundos. o nosso, cá fora. o deles, lá dentro]

é sexta-feira. depois de um feriado, custou acordar para ir trabalhar. fazia frio, muito frio, aliás. e chovia tanto. sim, a cama, os lençóis e os cobertores estavam deliciosamente quentinhos. conforto... mas a rotina fala mais alto. porque tem que ser. porque há muito que fazer.

[hoje, contudo, algo mudou]

olhei-me no espelho e, em vez de dizer que gosto muito de mim, senti esse amor... não foram precisas palavras. o pequeno-almoço não foi engolido: saboreado... lentamente. não corri para o autocarro: senti a chuva na cara. cheirei a terra molhada do jardim por onde passo, todos os dias. e as flores... que cores tão vivas [pareciam gratas pelas gotas de água lançadas lá de longe, do céu cinzento que esconde o sol brilhante]. sorri para as pessoas, no autocarro. umas retribuíram os sorriso. outras, absortas nas suas rotinas, olhavam para o vazio - tal zombies.

[é pouca a diferença existente entre tantas pessoas cá de fora e as pessoas lá de dentro: todos caminham sonâmbulos pela vida]

cheguei ao trabalho e sorri, novamente. cada gesto, cada pessoa que vi, cada tarefa. desta vez, a minha rotina foi alterada. fiz tudo o que tinha de fazer, claro, porque o trabalho tem que ser feito. mas não daquela forma automática de se fazer, de se falar. de se Ser. fiz tudo como se fosse a primeira vez. e tudo teve um sabor diferente... como se me sentisse um pouco mais acordada. mais viva.

[a rotina - necessária, eu sei - não precisa de ser rotineira... tudo o que fazemos pode ser feito com o entusiasmo de uma criança: para elas, tudo são experiências novas. ver, saborear, sentir e o mais importante, amar tudo pela primeira vez]

cheguei a casa há pouco. o jantar já está pronto. fiz uma receita nova, que trouxe do pingo doce: postas de garoupa com azeite de coentros. cheira bem.

vamos jantar...

[desde que conheci a mundo do pavilhão 29, senti que tinha uma missão muito importante: jamais permitir-me entrar nele. sei que eu sou uma privilegiada. tenho a noção da vida... então, sinto-me na obrigação de não a deixar fugir de mim. só eu tenho esse poder. só eu posso decidir qual o melhor caminho. e só eu posso dar o primeiro passo. o sol brilha sempre: mesmo que as nuvens não nos deixem senti-lo na nossa pele, o sol está lá... cabe a mim [a ti] fazer de tudo para que o sol jamais deixe de iluminar a vida]

18 comentários:

Fê blue bird disse...

O nosso olhar, o nosso sentir, muda tudo.
Apreciar a vida como se fosse a primeira ou a última vez!
É isso minha querida amiga, é isso mesmo que é o segredo de saber viver!
Encontrou-o, agora é guardá-lo para sempre!
Mil beijos cheios de carinho.

Thê disse...

A noção da vida. O teu texto diz tudo. Nós que somos uns privilegiados, como dizes, temos a obrigação de fazer com que a vida valha a pena. Viver a vida, de olhos bem abertos. E saborear cada momento como se fosse a primeira vez. Gostei muito do que li, como é habitual. um beijinho.

Mané disse...

Não ter nada como garantido, é uma boa lição. Todas as lições que aprendo aqui, guardo-as no meu coração e tento pôr em pratica todos os dias, em tudo o que eu faço. Às vezes não é fácil, mas vale a pena. Vale sempre a pena viver.

Ritinha disse...

O mundo do pavilhão 29 assusta-me um pouco. Amiga, acho impressionante a maneira como estás a lidar com esta situação. Retiras lições de tudo. És incrível. Não sei se teria esse teu discernimento.

xoxo grande

cc disse...

Ter a noção da vida: como é que eu ainda não tinha reparado nisso? Sabes que tens razão? Andamos feitos zombies, meio acordados meio a dormir e nem nos damos conta dos dias que passam. É bom ter a noção da vida. Obrigada por me acordares :)

Johnny disse...

Ia eu pronto para dar um conselho quando o próprio texto caminhou na direcção da auto-resolução A rotina não tem de ser rotineira, temos é de fazê-la, a ela à rotina e à vida em geral, o melhor possível. Depois os momentos extraordinários virão.

Rogério G.V. Pereira disse...

1ª parte - consideram-se mortos e morrem (ainda que não se perceba...)
2ª parte - fico sinceramente feliz pelas melhoras do seu pai
3ª parte - cheira mesmo bem, vamos jantar...

(um texto destes não surge da rotina)

dandelion disse...

Tens toda a razão quando dizes que caminhamos sonâmbulos pela vida. Importa acordar o mais depressa possível para que nunca perder a noção da vida. Gostei muitos do que li, irei aparecer mais vezes.

Pink Poison disse...

Comecei a tomar o pequeno almoço em casa, a ouvir a RFM, e era um luxo, bastavam apenas 15 minutos que sacrificava da cama... No espelho da casa de banho escrevi: "bom dia coisa boa, muita força, é mais um dia, mais uma batalha vencida" e chegava a casa com essa sensação. Solidão? Tão só como há uns meses mas agora desconheço o significado dessa palavra, há recaídas sim mas retiramos lições que achamos que vieram tarde demais mas ainda bem que vieram... Percebo cada vírgula do que escreves. Muita força!

Ava disse...

Uma bela forma de encarar a vida. Gostava de ter a tua força e vontade. Mais um fabuloso pensamento que como sempre me fez pensar também.

Beijinhos doces e um bom fim de semana, Ava.

Rosa Carioca disse...

Grande fortaleza, que és!
Um abraço apertado.

Miguel Ângelo disse...

Acredito que deve cheirar bem. A tua comida cheira sempre bem.

Poetic Girl disse...

Acho que estás no bom caminho, não ficas indiferente ao corredor, mas também não te deixas agarrar por ele. Penso que aí residerá o segredo! bjs

Helga Piçarra disse...

Nada a dizer. Nada a acrescentar. Perfeito. O que é preciso é viver e não (sobre)viver.

Um beijinho e estimo as rápidas melhoras do pai. Que em breve o pavilhão 29, seja apenas uma recordação, pois são as recordações que nos fazem avançar, desde que não fiquemos presos nelas.

Beijinho grande :)

Susana disse...

Só posso dizer...lindo.
Serena

su disse...

é arrepiante, o pavilhão 29. acreditem, eu saio esgotada lá de dentro. aquele sítio deprime-me de uma tal maneira... e, por isso, a culpa por deixar lá o meu pai. mas, ele gostou de lá estar porque fez muitos amigos. agora, ele está a ser seguido como doente externo. vai lá todos os dias, para as actividades.

obrigada, mais uma vez, por toda a vossa força, meus queridos amigos (se me permitem chamar-vos assim...)

jocas :O)

Olga Mendes disse...

Andar para a frente, nunca desistir, mesmo que o dia nos pareça difícil, pedir a Deus força para o levar até ao fim. Beijinhos.

just me, an ordinary girl disse...

nao sei mesmo o que dizer!
o post diz tudo e de uma forma mt bela...
Parabens,
por pensares coisas tao bonitas
por sentires outras tao boas e por saberes dize-las tao bem!!!
E obrigada por partilhares connosco!!!
um beijoo grande grande grannnnnnnnde

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